O campo e o recluso: Parte I

É já noitinha, o sol se move além firmamento, a brisa fresca e os perfumes do mato me situam. Estou no campo. Privilégio ou maldição para aquele que aqui se conhece, e caminha recluso na cidade. Mas o campo não é campo. Nem a cidade é cidade. São pontuações. Um sentir do meu olhar cativo sobre a relação que estabeleço com o campo, e com a cidade. Duas partes de mim. A possibilidade de visitar as âncoras que coloram esse eu que está firmado na atmosfera citadina. Respiro. Estou no campo e o sol se move além firmamento. A voraz resignificação terá noutra ocasião o seu momento de palco. O agora é de espaço para me encher de natureza, de ervas, flores, e pasmaceira. De sentir o libertar de toda contracção física, emocional, mental. De me largar. De conter a límpida brisa que me rodeia. Clarear. Deixar de Ser.
Neste sem tempo, onde horas são instantes, me faço humano, me separo da comunhão com este mistério da natureza viva, e me entrego a uma experiência de relação com ela. E, momentos depois, aceito de modo sincrónico acompanhar a adopção de Roghu, o Elefante, recente estreia na Netflix. Cada momento do filme é um mergulho em mim, amo o Elefante, os seus criadores, o que é curado no cuidar, o cumprido propósito do singelo despojo e da entrega a um serviço com todo o ser. Vivo na floresta. Eu sou Roghu e Roghu está comigo. Cuido, aliso tensões, sinto sem barreiras. Deixo-me cuidar por Roghu. E todo o meu ser repousa e se estende.
Caminho com Kattunayakan e Bellie, os nomeados cuidadores de Roghu e, mais tarde, Ammu. A cada momento, mais momentum no coração, me envolvo, compadeço com toda a sua humanidade, nos árduos e bonançosos momentos. E com a beleza de Bellie, no olhar de quem crescentemente vai conhecendo os mistérios do tempo, aceitando o resignío à vida, gravam-se em mim, sem o querer, as suas palavras -- 'Tinha medo da floresta, agora já não tenho. Tive muitas perdas. Encontrei a minha voz'.
Para a reclusão citadina, um sentido de existir.
(to be continued)